Outros não têm na vida nenhum sonho, e faltam a esse também."
Bernardo Soares, Livro do Desassossego
Lembro-me tão bem de devorar Bernardo Soares há muitos anos, há cerca de vinte e cinco anos. Este grande querido, o lado sempre depressivo de Pessoa.
Quando uma pessoa se põe em arrumações, desarruma-se a mente muitas vezes e, enfim, o processo real de "arrumar", primeiro, desarruma:
- Ena! Já nem me lembrava que tinha isto aqui!
Ou o mais famoso:
- Afinal era aqui que estava isto! - olhando para um engraxador de sapatos que, coitado, já nem graxa tem, sequinho, sequinho.
E toca de ver o que é um mais um qualquer pedaço de papel, com uns números escritos e algumas palavras que já nem associamos a nada. E quase sem ver, lá vai o papel para a reciclagem (mentira, foi para o lixo mesmo, estou aqui armada em "amiga do ambiente"!) .
É um processo moroso, convenhamos; Depois é mais um livro que não se resiste a folhear, ou mais um cd, eu sei lá, cadernos e cadernos de coisas escritas que já vêm de mil novecentos e carqueja!
E claro, dei de caras com os meus dois volumes aqui do eterno desassossegado, o Bernardo.
Olhei para esta frase, desta coisa do sonho.
Li, reli.
Pausei, pensei.
Cocei a cabeça e passei por um daqueles momentos tipo quando se entra na cozinha e não se sabe o que íamos lá fazer? Desses.
E dei comigo a pairar.
Que raio! E eu que gostava tanto de ler o bom do Bernardo. O que quer ele dizer com isto?
Acabei deitada no chão, de barriga para o ar, sem fazer literalmente nada, nem sequer estava a pensar - o que, para mim, é quase inédito!
Pois este foi um momento tão traumático, que disse para comigo:
- "Tão cedo, não me ponho a arrumar a casa."
E agora, depois de ler isto tudo, entendi!
Afinal, que eu queria era mais uma desculpa para continuar a não arrumar a casa!
E o Bernardo é que paga!
Pode ser!
Enquanto ele se desassossega ali na prateleira, acho que vou descansar de tanto que arrumei ... perdão, desarrumei!
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