quarta-feira, outubro 30, 2024

17 anos

A notícia caíu como uma estalada sonora lá na escola.

Um aluno de 17 anos suicidou-se. Mais um.
Um mês antes, tinha-se suicidado outro.
Este miúdo estava no 12º ano, demonstrava clara tendência para a arte e desenho, sempre vestido de preto; nunca tinha dado qualquer sinal de que lhe apetecia enforcar-se, um dia, sozinho, no seu refúgio - no quarto, em casa.

Foi a mãe que o encontrou, pendurado, no meio da desarrumação de esboços a lápis e cadernos e livros.Nada de notas, mensagens ou cartas de despedida. Só o silêncio e o corpo pendurado.

Muitos quiseram ir ao enterro.
A professora também foi, apesar de não ser professora da turma dele. Lembrava-se de o ver cirandar pela escola, com um ar tranquilo, talvez soturno, sim.

Quando a notícia circulou, circularam também os rumores habituais; "ele andava com um grupo satânico"; "andam a suicidar-se um de cada vez".
A professora sorria, triste. Sorria para dentro. O ridículo destes rumores era habitual na mentalidade mesquinha da cidade.
Também ela se meteu no carro e quis ir ao enterro.
Fez o percurso dos vários quilómetros da estrada sinuosa em "s", para a pequena quinta onde ele morava, com os pais.

A mãe é médica.
A mãe estava à porta, a receber as pessoas, vestida com uma camisola de gola alta preta e umas calças de ganga. Botas quentes, para o Inverno.

Sorria. A mãe sorria, serena, ao cumprimentar as pessoas, ao agradecer cortesmente os pêsames. Não se lhe via uma só lágrima, um só sinal de tristeza, nem gritos vindos do fundo da alma.
Apenas uma palidez suave e o sorriso sereno. Apenas a delicadeza, ao receber os "convidados".

A professora também entrou, mas não cumprimentou a mãe. Não se conheciam pessoalmente e havia ali tanta gente a incomodar, que ela sentiu que não valia a pena falar-lhe. Apenas a observou, ao longe.
"Não, ele não deixou nada escrito."
"Não, ele não disse porquê."
Repetia, calmamente, a quem tinha a coragem de lhe fazer a pergunta que todos tinham na cabeça.

Saíram para o cemitério.
A professora ficou sentada no carro. Resolveu não ir.
Ligou o rádio.
Ouviram-se os primeiros acordes da música que tocava numa rádio local.

E ali ficou, sentada, incapaz de se mover.
Pensava, apenas, que para uns, a dor é suportável. Para outros, não é.
Simplesmente.



Everybody Hurts - REM

When the day is long and the night, the night is yours alone,

when you're sure you've had enough of this life, well hang on.
Don't let yourself go, everybody cries and everybody hurts sometimes.

Sometimes everything is wrong. Now it's time to sing along.
When your day is night alone, (hold on, hold on)
if you feel like letting go, (hold on)
when you think you've had too much of this life, well hang on.

Everybody hurts. Take comfort in your friends.
Everybody hurts. Don't throw your hand. Oh, no. Don't throw your hand.
If you feel like you're alone, no, no, no, you are not alone

If you're on your own in this life, the days and nights are long,
when you think you've had too much of this life to hang on.

Well, everybody hurts sometimes, everybody cries.
And everybody hurts sometimes.And everybody hurts sometimes.
So, hold on, hold on.Hold on, hold on. Hold on, hold on. Hold on, hold on.

(Everybody hurts. You are not alone.)


[Foto de Amora Silvestre]

(Texto publicado originalmente a 8 de Março de 2006)

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