sexta-feira, agosto 31, 2018

. sonhos desarrumados.

"Alguns têm na vida um grande sonho e faltam a esse sonho. 
Outros não têm na vida nenhum sonho, e faltam a esse também."

Bernardo Soares,  Livro do Desassossego




Lembro-me tão bem de devorar Bernardo Soares há muitos anos,  há cerca de vinte e cinco anos.  Este grande querido, o lado sempre depressivo de Pessoa. 

Quando uma pessoa se põe em arrumações,  desarruma-se a mente muitas vezes e, enfim, o processo real de "arrumar",  primeiro,  desarruma:

- Ena! Já nem me lembrava que tinha isto aqui!
Ou o mais famoso:
- Afinal era aqui que estava isto! - olhando para um engraxador de sapatos que, coitado, já nem graxa tem, sequinho, sequinho. 

E toca de ver o que é um mais um qualquer pedaço de papel, com uns números escritos e algumas palavras que  já nem associamos a nada.  E quase sem ver, lá vai o papel para a reciclagem (mentira, foi para o lixo mesmo, estou aqui armada em "amiga do ambiente"!) . 


É um processo moroso, convenhamos. Depois é mais um livro que não se resiste a folhear, ou mais um cd, eu sei lá, cadernos e cadernos de coisas escritas que já vêm de mil novecentos e carqueja!  
E claro, dei de caras com os meus dois volumes aqui do eterno desassossegado,  o Bernardo. 

Olhei para esta frase, desta coisa do sonho. 
Li, reli. 
Pausei, pensei. 

Cocei a cabeça e passei por um daqueles momentos tipo quando se entra na cozinha e não se sabe o que íamos lá fazer? Desses.  
E dei comigo a pairar.  
Que raio!  E eu que gostava tanto de ler o bom do Bernardo.  O que quer ele dizer com isto? 

Acabei deitada no chão, de barriga para o ar,  sem fazer literalmente nada, nem sequer estava a pensar - o que, para mim, é quase inédito!

Pois este foi um momento tão traumático, que disse para comigo:
- "Tão cedo, não me ponho a arrumar a casa."
E agora, depois de ler isto tudo, entendi! 
Afinal, que eu queria era mais uma desculpa para continuar a não arrumar a casa! 
E o Bernardo é que paga! 
Pode ser! 

Enquanto ele se desassossega ali na prateleira,  acho que vou descansar de tanto que arrumei ... perdão, desarrumei! 

segunda-feira, agosto 27, 2018

. sake .

Quando nos apetece um daqueles banhos, em que existimos só nós, o leve som da espuma que se desfaz devagarinho,  o vapor cinza claro que também se vai desfazendo, solta-se um Ah!  e entende-se o conceito de felicidade. É mesmo isto!

Aquecido previamente, o sake é a companhia, em chávena apropriada, para ir bebericando.
É um mundo sensorial, um mundo sensual, de sentidos - todos.
O temperatura da água, o cheiro dos sais - cheira a maresia e a Cabo da Roca.


O sabor morno do sake, que quase mais se adivinha. A visão do corpo entre a água e a espuma. E o som. Ah!

Estica-se o braço e traz-se a esponja, suave no contacto com a água e no contacto com a pele dos braços, das costas, ombros.
Bebe-se mais um golo de sake.

Os pés brincam com a espuma da água, no outro lado da banheira.
Levanta-se o corpo para afagar os pés, suavemente. A pedra-pomes mesmo ali à beira, pronta para suavizar os pedaços mais endurecidos do pé; primeiro do direito e depois do esquerdo.
E em rotações suaves, rodopia a pedra-pomes ao encontro da planta do pé, do calcanhar, e depois, mudando de pé.

- Tão suave esta pedra-pomes - pensei.  Costumam ser tão rugosas e esta parece estar tão de acordo com toda a suavidade do momento.

Os cantos da minha boca subiram num sorriso bonito,  feito de espuma,  de pés suaves e do sabor do sake.
E saí do banho, devagar, com a toalha abraçada ao corpo, e de sorriso leve.
Tinha acabado de perceber que estive a fazer o peeling dos meus pés, com a pedra-pomes nova, ainda dentro do plástico transparente!
O uso da pedra-pomes dentro do invólucro, parece ser diretamente proporcional à quantidade de sake que se bebe, num belo banho de espuma.

Ah! Que bem que soube!
Deixa-me lá levar o sake para a sala.

domingo, agosto 26, 2018

. olá, menina .

Bom, e assim, num fim de tarde na praia, se arranja auto-estima e uma felicidade de bolso; quando um homem passa por nós, na praia e diz:
- Olá, menina!

Claro que uma pessoa que já passa dos cinquenta pensa: ... olha que bonito "menina"... que lindo...
(NMT)

(Nota Muito Importante : o homem era um daqueles tipos que vendem pashminas na praia. Ai que felicidade! Não comprei a pashmina, mas ele chamou-me "menina"!)