sexta-feira, novembro 18, 2022
Questões de "linguística"
É muito importante a forma como falamos, o uso que damos à linguagem.
Na língua Portuguesa existe o verbo "ser" que é muito mais complexo e elaborado do que as três letras que tem.
Certa vez, conheci uma mulher que se me apresentou com o nome completo. Ora vejamos, disse ela, estendendo-me a mão e com o nariz empinado:
- Sou (agora vou inventar o nome, que já não me lembro) Maria Luísa Godinho Silva e Cunha. Sou mulher do Dr. Silva e Cunha, que é cirurgião no Hospital X.
Bom, eu fiquei com o pêlo eriçado, como os gatos.
- Muito prazer. Eu sou a Dra. (pespeguei-lhe com o meu primeiro e último nome). Pode tratar-me por doutora.
E sorri-lhe.
Como é que três letrinhas estão cheias de tanto, não é?
Aquela mulher, é (lá está, o verbo ser) uma mulher. Porém, aquilo que ela "é", ela própria define como sendo "casada com" e é isto que ela é; portanto, o suposto estatuto social do marido.
Certamente que estava habituada a usar a profissão do marido de forma intimidatória. Era óbvio que o dizia como forma de se impor, numa situação de impacto inicial.
Ficou um bocado baralhada, quando lhe respondi da forma como o fiz.
Em Portugal, há alguns licenciados que não têm "título". Numa licenciatura de engenharia, é-se engenheiro; em arquitectura, é-se arquitecto. Os médicos são "doutores", mas também são "doutores" os advogados e, há que dizê-lo, também são "doutores" os Professores (com licenciatura de cinco anos). Portanto, esta coisa das licenciaturas é um bocado confusa.
No meio académico, é claríssimo que se alguém é chamado de Professor, então essa pessoa tem um doutoramento - como é o caso do nosso PR - Professor Cavaco Silva. Portanto, academicamente acima de qualquer "doutor".
Mas "ser" engenheiro, "ser" arquitecto, "ser" médico, "ser professor" não é o que somos. É o que fazemos. Depois, surge a outra questão; como é que dizemos "eu faço arquitectura"? Ou "eu faço advocacia"?
Não soa nada bem.
[Hum... como se diria então... "eu faço... professorado?". Não, pois não? É talvez a única profissão em que se é, realmente. Sou professor significa - eu ensino. Mas isto são outros quinhentos!]
De qualquer forma, se desmontar o discurso introdutório daquela senhora, ficaria qualquer coisa como isto:
- Chamo-me Maria Luísa. O meu marido é médico. Sinto-me poderosa só porque casei com ele e faço questão de o dizer ao mundo.
Ahh!!!! Assim, sim.
Eu ter-lhe -ia respondido apenas, "muito prazer, o meu nome é ...".
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