Sentada na segunda fila, olhava o pano escuro à frente dos olhos, enorme. Nem sequer queria sair de casa naquela casa, pensou. Já estava de roupão. Mas veio-lhe à memória o cartaz deste bailado e a vontade foi mais forte que o cansaço.
Abriu-se a cortina, com a sala já escura. O som do mar foi o primeiro que ouviu. Uma imagem meia sonolenta surgiu; teatral, o bailarino vinha de fato clássico. Sorriu. Parecia o gestor da empresa onde trabalhava.
Quando se moveu, o corpo dele pesava em desassossego.
Num relance, recordou os tempos em que era ela que estava daquele lado do palco, ofuscada pelos projectores. No primeiro bailado em que entrou, era a ovelha - lembrava-se perfeitamente, cheia de calor, dentro do fato - ainda criança, puxada por uma corda pela colega, vestida de pastora. Perfeccionista, como sempre, recorda-se de seguir coreograficamente os passos todos. Sem falhar um.
Sentiu nostalgia, esticou o pescoço, sentada na segunda fila, puxou os cabelos para cima e prendeu-os com o elástico que usava nos momentos de mais calor. Voltou a ser a bailarina, voltou a estar do lado de lá do palco. Dançou por dentro.
Só regressou das memórias quando o bailarino parou, de repente, ao embater sonoramente no teixo que servia de cenário único.
Ao longe, o som do mar desapareceu.
Depois, as palmas.
Saíu com a multidão do teatro.
- Tenho de voltar a ver isto. Perdi o bailado inteiro!
[Foto de Amora Silvestre]
(Texto original publicado a 11 de Fevereiro de 2006)
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